sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Carta 124 - Para a Sofia, do teu pai


  Olá pequenina! Os dias passam e anos vão passar, se sou e se serei é por ti…

  Assim comecei sempre todas as cartas que te escrevi. Com as mesmas palavras que disse ao segurar-te no meu colo pela primeira vez.

  Sou o teu pai! Orgulho-me disso, orgulho-me de cada segundo da tua história! Hoje fizeste de mim o homem mais realizado do mundo! És linda e hoje estavas perfeita… No meio da agitação, da preocupação e da dor mantiveste calma e foste serena. Sei, que não devo ser o responsável por essa tua força. Eu não sou assim, estes dias tiram e devolvem tanto de mim que fico esgotado... Sou o teu maior fã, espero que não tenhas dúvida disso.
  Parabéns! O teu neto nasceu, pai, o meu filho nasceu! Disseste tu, assim que me viste a entrar, segurando-o com braços firmes e a mim com um sorriso doce. Nesse momento, senti-me estremecer cá dentro, roubaste-me todas as palavras e construíste o abraço que te dei.

  Quando tivemos de te deixar descansar, e a mim respirar, saímos da maternidade e passamos no Dr. André para agradecer todo o apoio e atenção dedicada. Era noite quando chegámos a casa pelas dezanove horas. Ajudei a fazer o famoso bacalhau com natas da tua mãe, mulher que passados estes trinta anos ainda me vem assim com estes mimos… Óptimo estava o jantar e empolgante a conversa. Falamos quase sem parar, da carinha do Diogo e que sai muito mais a ti do que ao João, e que tem umas mãozinhas tão pequeninas e da força que faz quando aperta os nossos dedos. Também, que o quarto em que Dr. André te colocara, era realmente muito bom e que as enfermeiras eram muito simpáticas, e que o Diogo, e que o menino, e que o nosso neto... Obrigado, pelo meu netinho!

  Nove e meia da noite, tudo arrumado na cozinha e roupa confortável já no corpo, lembrei-me de trazer o teu velho baú para junto do sofá onde já estava a tua mãe refastelada. Imaginei que ela fosse ficar feliz com isso... Tive razão! Juntos o abrimos mais uma vez, libertando as suas muitas emoções guardadas... Apareceram as tuas fotos de bebé, de princesa no carnaval, de aventureira no Brasil, da faculdade, de casamento Também, as pinturas que fizeras para a escola, os vídeos das festas de família e as cartas que nos escrevias quando fazias alguma coisa errada ou quando nos vias mais tristes… Ali ficamos abraçados, bastante tempo, atropelando lágrimas e sorrisos com as memórias de ti, e de nós, e da nossa menina.

  Mais tarde, estava eu já com quase tudo arrumado e oiço: Carlos… Amor… Por favor, traz os meus chinelos e vem aqui ter… Sempre adorei a voz suave com que ela chama, faz-me sentir especial, sabes? Respondi: Sim… Já estou a ir… Cheguei junto a ela num beijo e entreguei os chinelos que me trocou com um envelope. Apercebendo-se da minha surpresa, disse: Comprei-o de manhã, é para ti… Sei que hoje não vais deitar já. Sei que ainda vais até ao escritório e gostava que no fim de escreveres a colocasses neste envelope. Gostava também, de ir amanhã contigo ao apartamento da Sofia, deixar todas estas cartas. Assim, quando voltar da maternidade vai poder ler. Acho que já está na altura, quero que ela se sinta como eu me senti quando as li o ano passado…

  Então, o teu pai que te adora, homem que a balança pesa no feliz, jovem de cinquenta e sete anos, casado com a melhor mulher que se pode ter, e agora finalmente avô, escreve hoje a carta número cento e vinte e quatro. Da primeira no dia em que nasceste até esta, vinte oito anos depois, escrevi para que saibas quem eu fui, quem eu sou e o tudo que significaste para mim ao longo da vida. Partilhei no papel vários encontros especiais com a tua mãe, contei-te de quando comecei a namorar e do que precisei de desabafar. Falei das vezes que me surpreendias com qualquer coisa extraordinária, de quando aprendeste a andar, de quando foste para escola, de quando tocaste à mãe a música que te embalara em bebé, de quando tiraste a carta e de quando conseguiste o teu primeiro emprego. Escrevi dessas enumeras vezes que me abordavas com conversas complexas, de quando ias viajar, das alturas em que não te conseguia compreender. Desabafei a maior crise da minha vida ao sentir que a tua mãe se estava a afastar e do dia em que me abraçou de volta, e muito mais…

  Ao ler as 124 que lembres muitos episódios bons e que percebas alguns dos menos bons. E que não fiques triste de não saberes até hoje que elas existiam, não pretendi esconder que as escrevia. Mas no início eras muito nova para entender e quis esperar o momento certo. Há medida que anos foram passando, fui perdendo a coragem, nunca encontrava esse momento… Aliás, nalgumas das cartas anteriores vais perceber esse meu dilema. Espero sinceramente que gostes e que um dia mostres ao meu netinho como foi a vida da sua mãe e o relacionamento com o avô.

  Até daqui a pouco, pequenina!

  Amo-te muito, Filha!

  Um beijo grande do teu Pai

2 comentários:

  1. Pode uma carta mudar uma vida ou já está tudo decidido?

    ResponderEliminar
  2. Julgo que é um pouco dos dois... Tudo está decidido e não... Talvez esteja tudo decidido com as suas devidas aleatoriadades e espaço para o livre arbitrio...
    Tudo já foi, tudo já aconteceu... Tudo será, tudo irá acontecer...
    Isto é o que sei hoje: Não interessa ter a resposta mas sim saber que um dia a saberemos...

    ResponderEliminar